sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O zumbido

Eu me segurei o quanto pude. Juro que tentei , mas foi ELA quem quis assim. Agora Rebeca está morta, vísceras expostas sobre a cama em forma de coração. Eu, atordoado e banhado em sangue, a olho mais uma vez, iluminada pela fraca luz negra desse quarto de motel... Ela era perfeita... mas perfeita demais pra mim. Esta noite, eu acabei com três vidas: a minha, a dela e a de nosso filho, ou melhor: projeto de filho. Foi fácil me desfazer do corpo ainda incompleto de Junior (ou Juliet), pena não poder dizer o mesmo de sua mãe... Ainda custo a acreditar que a vadia arrancou minha orelha enquanto à livrava do peso de uma vida. Não era pra matá-la, não mesmo. Mas a dor cegou minha razão. Havia um Monstro dentro de mim, e ela o deixou escapar.

Agora são quase três da manhã... Meu ouvido não pára de sangrar e um zumbido agonizante parece querer explodir minha cabeça. Decido descansar meu corpo. Vou até a suíte, me lavar do vermelho daquela que pensei um dia ser o amor de minha vida. A água antes cristalina se torna escura. A calmaria do momento dá espaço para a vinda de uma violenta crise de consciência. O Monstro é acorrentado novamente, mas o Homem está morto. O zumbido aumenta junto com a dor.

Insuportavel...

Eu não chorava de verdade há anos, mas agora choro. Choro como nunca havia chorado na vida. Tão alto e tão forte que mal ouço o baque surdo vindo do quarto. Inconsolável, eu olho para a porta aberta e vejo com terror Rebeca rastejando em minha direção. Ela deixa um largo rastro de sangue até chegar aos pés da banheira. Ela amaldiçoa meu nome com as forças que ainda lhe restam. Eu tentaria uma reação se os músculos respondessem aos meus comandos. É como num sonho, onde não se consegue gritar e seu corpo trava diante do perigo.
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Infelizmente, não estou sonhando...

Eu paro de resistir e me entrego à punição de Rebeca. Afinal, minha vida acabou no momento em que a matei (ou ao menos tentei). Ela pega o esbranquiçado cordão fibroso que antes alimentava nosso filho, ainda quente e pulsante, e o enrola em meu pescoço. Demora até que a falta de ar me liberte da carne.

A dor se vai...

Mas o zumbido continua... mais alto do que nunca...

Um conto de Samura

2 comentários:

Nadezhda disse...

Espero que seja o primeiro de muitos outros, porque gostei.

Bem diferente do que escrevo, e isso é ótimoi, porque ler sempre op mesmo assunto cansa. (E sabe detalhar muito bem).

;)

Nayara .NY disse...

Foi esse zumbido que me trouxe até
aqui...
O despertar de meus olhos se fez presente quando tudo pareceu mais real do que a mentira!

Parabéns pelo blog! Estarei sempre acompanhando!